José Régio (17/9/1901,
Vila do Conde - 22/12/1969, id.) foi um poeta, escritos, dramaturgo, romancista,
cronista, muito ligado à fundação da revista Presença, da qual foi diretor.
Biografia de José Régio
O seu verdadeiro nome é
José Maria dos Reis Pereira e com este nome assina o primeiro livro que
publica, As Correntes e as Individualidades na Moderna Poesia Portuguesa
(1925), o qual é a sua tese de licenciatura em Filologia Românica e que, em
1941, será reeditada com importantes alterações e com um novo título: Pequena
História da Moderna Poesia Portuguesa.
Frequenta e termina o seu
curso na Faculdade de Letras de Coimbra, cidade onde permanece até 1927, sendo
aí que se constitui o grupo de escritores que está na origem da publicação da
revista Presença (1927¬-1940). José Régio foi um dos seus diretores.
Em 1929 é colocado como
professor liceal em Portalegre. Em 1962 reforma-se e passa a viver na cidade
onde nascera.
O primeiro livro de poesia
O primeiro livro de
poesia, que já assina com o seu pseudónimo de José Régio, foi Poemas de Deus
e do Diabo (1925). Neste livro, como noutros dois que imediatamente lhe
sucedem e que, de certo modo, representam o momento mais alto da sua poesia — Biografia
(1929) e As Encruzilhadas de Deus (1936) —, ficam desde logo traçadas as
linhas mestras dessa poesia.
Posteriormente, alguns
dos seus poemas representam já um desvio, enveredando por um tom satírico, por
um expressivismo dramático que está ligado a um certo realismo social atento à
«miséria nua e crua» ou, como acontece num conjunto de poemas intitulado «O
cancioneiro de João Bensaúde» incluído em Filho do Homem (1961), por um
lirismo já decantado e de maior limpidez.
Quais os aspetos mais originais da
poesia de José Régio
Mas importa considerar os
aspetos mais originais da poesia de José Régio, sobretudo apreensíveis nos seus
três primeiros livros.
Destacaríamos, então:
- o modo como nela se faz sentir uma procurada «expressão do humano»;
- o sentido dramático ou dialógico;
- a amplificação verbal que tende para a discursividade, mas que por vezes é anulada ou atenuada pela utilização de formas como o soneto; o recurso aos paralelismos ou às construções anafóricas;
- uma tensa confidencialidade ou o recurso a formas de enunciação muito direta, marcada por vocativos, referências ao próprio leitor, etc.;
- um envolvimento temático que resulta da confrontação com problemas de ordem psicológica, moral ou religiosa através de uma polarização ou tensa oposição entre o Eu e o Outro, o Bem e o Mal, o Espírito e a Carne, o Sagrado e o Demoníaco, o Amor divino e o Amor humano.
O misticismo remoto de José Régio
Há em José Régio um «misticismo remoto» — a expressão é de Manuel Antunes («Três poetas do sagrado», in Brotéria, 1957) — e, não raro, depara-se-nos na sua poesia uma recorrente utilização de símbolos ou imagens de procedência religiosa, desde a sarça ardente à coroa de espinhos, ou de referências a personagens bíblicas, como Lázaro, Job, Lúcifer, os anjos, Cristo ou a Virgem. Mas esta dimensão religiosa como que fica em parte desfocada porque o dramatismo que envolve todo este elenco imaginário parece concorrer para um ponto único ou centro dramático que não seria mais que a «terrível face» do eu.
Há aqui, com
efeito, uma forte referência pessoal, a qual foi interpretada como a marca de
um indelével psicologismo comum a outros autores ligados à Presença; mas ela
tende a desviar-se, no caso de José Régio, para uma compreensão mais ampla da
nossa humanidade, o que nos permite ultrapassar esse envolvimento psicológico e
vermos naquela referência pessoal a procura de uma essência humana, de um
essencialismo que, como veremos, há-de concordar melhor com alguns dos seus
pontos de vista teóricos.
A arte como expressão do humano
José Régio sempre
defendeu a arte como «expressão do humano» e no posfácio que acrescentou em
edições posteriores à primeira — e que, nelas, sofreu refundições — dos Poemas
de Deus e do Diabo esclarece que o que se tem em vista é «uma revelação do
humano através do homem», como se, do particular, se passasse para o geral ou
essencial. É neste plano que se há-de realizar a expressão estética: «o fundo
eterno, imutável, contínuo da humanidade e da arte manter-se-á poderosamente na
obra de todos os grandes. E direi que é sobretudo nos inovadores que esse fundo
aparecerá mais virgem». Este passo — extraído de um artigo que é um verdadeiro
manifesto publicado no n.º 1 da Presença, o qual se intitula «Literatura
viva» — traça alguns dos aspetos extremamente importantes para a compreensão da
poética de José Régio.
O «fundo mais virgem» da
obra inovadora é a originalidade. «Em Arte, é vivo tudo o que é original»,
diz-se no mesmo artigo. Mas essa originalidade, segundo José Régio, não deve
conduzir a uma excentricidade ou extravagância desprovida de referências
autênticas, porque esse é o caso em que o «autor pretende ser original sem
personalidade própria». Haveria, então, «falta de autenticidade» ou de
«sinceridade».
Concluindo: a inovação ou originalidade implica uma autenticidade expressiva, o que levou José Régio a minimizar uma expressão de Vanguarda, que assim se distingue ou extrema da própria modernidade (daí as pontuais críticas que fez a aspetos da obra de Almada ou de Fernando Pessoa, autores cujo valor soube, noutras ocasiões e, sobretudo, nas páginas da Presença, valorizar devidamente).
Esta conclusão a que se
chegou é importante porque ela contribui para uma compreensão do papel que a
tradição ou o passado literário desempenha na própria afirmação da modernidade
e que a poesia de José Régio, considerada em si mesma, soube encarnar através
de referências a movimentos que lhe são anteriores, sobretudo se os
considerarmos não em si mesmos, mas em relação com figuras que serão para José
Régio emblemáticas ou inspiradoras: o neo-romantismo, com Florbela Espanca, o
simbolismo aliado a um certo decadentismo, com João Lúcio, o modernismo, com
Mário de Sá--Carneiro.
Este ponto de vista — que
irá enformar e conformar o desenvolvimento da sua própria criação literária —
leva-o a não extremar demasiado um espírito moderno de um espírito clássico: «o
modernismo superior é individualista e clássico» (cf. no n.º 2 da Presença um
seu artigo intitulado precisamente «Classicismo e Modernismo»), propondo,
assim, um «íntimo equilíbrio» entre a sensibilidade, a imaginação e a
inteligência que estaria na origem não só da «expressão estética» mas também da
«emoção estética».
Expressão estética
O problema da expressão
estética foi, depois, desenvolvido por José Régio nos livros Em torno da
Expressão Estética (1940) e em Três Ensaios sobre Arte (1980), sendo
um desses ensaios o referido anteriormente.
Retomando pontos de vista
já expressos na Presença, José Régio considera que a expressão artística
corresponde a uma modalidade humana própria, uma «expressão vital individual do
autor», de que a originalidade e a sinceridade, a que já nos referimos, não
seriam mais que um corolário. Daí o modo como valoriza «a qualidade
superiormente humana da coisa expressa».
Esta opção teórica levou
José Régio a enfrentar pontos de vista que lhe eram contrários, o que deu
origem a polémicas travadas quer com os neo-realistas (que criticavam o que
seria o seu psicologismo ou uma poesia voltada, como se dizia, para o «umbigo»)
quer com sectores que, por volta dos anos 60, optaram por uma atitude
estruturalista inconciliável com o humanismo que tão assumido foi por José
Régio.
A criação teatral de José Régio
Um outro aspeto
importante da sua obra diz respeito à criação teatral, onde Jacob e o Anjo
(1940) e Benilde ou a Virgem-Mãe (1947) ganham relevo especial.
Alguns dos grandes temas
da sua poesia são aí dramaticamente desenvolvidos, dando-se a circunstância de
uma outra das suas peças, «Mário ou Eu Próprio-o Outro», retomar um daqueles
dualismos preferenciais de José Régio (a saber, Eu-Outro) e uma das suas mais
referidas preferências literárias (Mário de Sá-Carneiro).
Ficção
No domínio da ficção —
romance, conto e novela — José Régio publicará obras que tiveram significativa
repercussão como O Jogo da Cabra-Cega (1934), durante anos interdita
pela censura do chamado Estado Novo, Davam Grandes Passeios aos Domingos...
(1941), O Príncipe com Orelhas de Burro (1942), Histórias de Mulheres
(1946) ou A Velha Casa (série publicada em 5 vols. desde 1945 a 1966,
incluindo a reedição do último o rascunho incompleto para o 6. ° vol.).
A primeira destas obras
marca um momento importante da nossa ficção na década de 30, pois neste romance
há aspetos que merecem especial referência:
- o recurso ao monólogo interior, por vezes entrosado no diálogo (cap. X);
- as «maquinações interiores», acompanhadas por uma certa crispação narrativa dada por «um tumultuar de nervos loucos»;
- a descrição de uma «vida romanesca e secreta» orientada para «estranhos ambientes e estranhos exemplares de vício»;
- a recidiva do já referido tema da oposição entre o Homem e Deus, o Eu e o Outro, que pode ser um alter ego;
- o afastamento de uma «moralidade humanista» que é posta em questão por uma «ética de autêntica origem mística», a qual acaba por alterar a ordem consensual de valores;
- a abertura para uma dimensão metafísica, o que não impede que ocasional e sugestivamente se enverede para uma descrição de ambientes (como o que se faz neste romance de uma pensão familiar).
Relacionada com estas
preocupações de natureza metafísica ou religiosa há a considerar uma obra de
reflexão que se intitula Confissão de Um Homem Religioso, com publicação
póstuma em 1971. José Régio organizou também várias antologias de poesia.
Lista de Obras de José Régio
Poesia
1925 — Poemas de Deus e
do Diabo
1929 — Biografia
1936 — As Encruzilhadas
de Deus
1941 — Fado
1945 — Mas Deus é Grande
1954 — A Chaga do Lado
1961 — Filho do Homem
1968 — Cântico Suspenso
1970 — Música Ligeira:
volume póstumo, org. Alberto de Serpa (Prémio Nacional de Poesia 1970 da
Secretaria de Estado da Informação e Turismo (SEIT).
1971 — Colheita da Tarde:
volume póstumo, org. Alberto de Serpa.
Ficção
1934 — Jogo da cabra-cega
1941 — Davam grandes
passeios aos domingos
1942 — O príncipe com
orelhas de burro – História para crianças grandes – Romance
1945 — A velha casa I -
Uma gota de sangue
1946 — Histórias de
mulheres (inclui O vestido côr-de-fogo)
1947 — A velha casa II -
As raízes do futuro
1955 — A velha casa III -
Os avisos do destino
1960 — A velha casa IV -
As monstruosidades vulgares (Prémio Diário de Notícias em 1961)
1962 — Há mais mundos
(Grande Prémio de Novelística da SPE em 1963).
1966 — A velha casa V -
Vidas são vidas
Ensaio, Crítica, História da Literatura
1925 — As correntes e as
individualidades na moderna poesia portuguesa.
1936 — Críticos e
criticados
1937 — António Botto e o
amor
1940 — Em torno da
expressão artística
1941 — Pequena história
da moderna poesia portuguesa
1964 — Ensaios de
interpretação crítica
1967 — Três ensaios sobre
arte
1977 — Páginas de
doutrina e crítica da Presença (recolha póstuma).
Teatro
1936 — Sonho de uma
véspera de exame (estreia em 30.03.1936, no Teatro Portalegrense, em
Portalegre, publicada em 1989).
1940 — Jacob e o anjo
(estreia em 31.12.1952, no Studio des Champs-Élysées, em Paris, encenação de
Jacques Charpin); a publicação desta peça em Primeiro Volume de Teatro inclui
ainda a 1.ª versão de 'Três máscaras').
1940 — Sou um homem moral
1947 — Benilde ou a
virgem-mãe (estreia em 25.11.1947, no Teatro Nacional, em Lisboa, encenação de
Amélia Rey-Colaço).
1949 — El-Rei Sebastião
(estreia em 19.10.1985, no Cine-Teatro Crisfal, em Portalegre, encenação de
Carlos César).
1953 — Jacob e o anjo (2.ª
versão).
1954 — A salvação do
mundo (estreia em 28.04.1956, no Teatro da Casa da Comarca de Arganil, em
Lisboa, encenação de Claude-Henry Frèches).
1957 — Três peças em um
acto: Três máscaras - 2.ª versão; O meu caso (escrito em 1950, estreia em 1963,
no Liceu de Viseu, encenação de Osório Mateus); Mário ou Eu Próprio - O Outro
(estreia em 17.05.1958, no Teatro Avenida, de Coimbra, encenação de Paulo
Quintela).
1967 — O judeu errante
1984 — Três máscaras
(ópera - estreia no Teatro de S. Carlos com música de Maria de Lourdes
Martins).
Autobiografia
1971 — Confissão dum
homem religioso - páginas íntimas
1994 — Páginas do diário
íntimo
Correspondência
1986 — Correspondência
com Jorge de Sena.
1989 — Correspondência
com Flávio Gonçalves [12].
1994 — Correspondência
(antologia)
1994 — Correspondência
com António Sérgio.
1997 — Correspondência
familiar (cartas a seus pais).
2001 — Cartas a seu irmão
Apolinário.
2007 — Correspondência
com Vitorino Nemésio.
2008 — Correspondência
com Álvaro Ribeiro.
2015 — Correspondência
com seu irmão Antonino.
2016 — Correspondência
com Eugénio Lisboa.
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