João Gaspar Simões (25/2/1903,
Figueira da Foz — 6/1/1987, Lisboa), foi um escritor, biógrafo, historiador,
crítico literário e dramaturgo português, membro do grupo fundador da revista
Presença.
Gaspar Simões pertenceu ao
grupo de jovens fundadores, em 1927, da revista Presença, que deixaria
na cultura portuguesa um profundo sulco pela intensidade e renovação de
preceptorado crítico que em publicação periódica do género consideramos ímpar
na nossa história literária.
João Gaspar Simões
destacou-se desde muito cedo pela profusão e combatividade de uma pedagogia
literária, caracterizada, durante a sua longa vida, pela coerência e
autenticidade dos seus juízos.
Pedagogia que se exerceu
primeiro na própria revista, ao lado de um José Régio, de Casais Monteiro, de Branquinho
da Fonseca e de outros, escolares conimbricenses ou não, que se lhes foram
juntando e, por assim dizer, criaram um «corpus» intelectual que influenciaria,
direta ou indiretamente e a despeito de outras escolas literárias que se foram
seguindo, sobretudo a poesia e a ficção portuguesas de dado período.
Publicação de O Mistério da poesia
Aos vinte e oito anos, em
1931, Gaspar Simões publicava O Mistério da Poesia, ao qual deu o
elucidativo subtítulo de Ensaios de Interpretação da Génese Poética.
Escrevia então, ao
apresentar a obra: «O meu intento consiste em subordinar a génese poética a uma
quase decomposição química», projeto que, na época deve ter sido, pelo menos
assustador.
Comparando esse processo
ao dos psicanalistas no exame a um doente, escrevia também: «Se fosse possível
diria que me coloquei num ponto de vista paralelo ao dos psicanalistas que ao
tratarem de um doente põem de parte, por assim dizer a própria doença, interessando-se
sobretudo na descoberta dos motivos recalcados, sua origem».
Era, de facto, como que um
programa e que haveria de ser mantido em toda a sua obra.
Artigos em suplementos literários de
jornais
Como a permanência em
duradouras tribunas jornalísticas deu à sua atividade crítica uma
possibilidade, rara então, de chegar a um grande público (primeiro no
suplemento literário do Diário de Lisboa, que Álvaro Salema dirigia, depois e
sucessivamente no Diário de Notícias, no Diário Popular, no Primeiro de
Janeiro, etc.), a audiência dos seus textos, digamos, «anatómicos», de livros e
autores; a seu modo, sobretudo tendo em mente o leitor, ou intuindo-a, a união
entre a preparação literária na análise e crítica de uma obra e, por outro, o
seu desassombro e a sua, teimosamente defendida, independência de juízos, tudo
assegurou desde cedo a João Gaspar Simões projeção pública invulgar num meio então
ainda retraído em relação aos temas, mesmo os mais correntes, relacionados com
obras literárias.
O facto, desde o início
anunciado, de não separar dos seus autores as respetivas obras, contribuía, e
muito, para, personalizando-as, simultaneamente situá-las historicamente.
Os ensaios e artigos de crítica
Se a revista Presença
dera o sinal desses novos tempos para a interpretação crítica de um texto
«literário» (vinha ainda longe, em Portugal, a chamada crítica científica de
cariz universitário), um dos principais méritos de Gaspar Simões terá sido esse
de, nos seus ensaios, nos seus artigos de crítica, «ultrapassar a evolução para
me instalar na criação». A sua metodologia analítica, ou, se quisermos, a sua
filosofia antimetodológica, na análise «literária» de uma obra, foi, à luz do
seu tempo inicial, uma espécie de fenómeno insólito que lhe asseguraria
simultaneamente prestígio e discussão.
No nosso século em
Portugal nenhum colunista literário (como se lhe chamaria hoje) teve tanta
repercussão e terá sido tão discutido e, simultaneamente, considerado, até
pelos opositores não tanto da sua doutrina estética quanto da radicalidade dos
seus juízos.
Estes demonstram ainda
hoje um vasto leque de interesses, quer quanto aos autores quer quanto aos
géneros.
Literatura, Literatura, Literatura
Literatura,
Literatura, Literatura,
porventura um dos seus livros mais significativos, abrange autores que vão de
Sá de Miranda aos poetas brasileiros da chamada escola concretista.
Um alto desígnio, sempre
pedagógico, o motivava, como explica: «Os ensaios, artigos e estudos reunidos
no livro constituem uma espécie de chamada à ordem da cultura nacional em face
da pressão das culturas estrangeiras. Se porventura alguns deles se estribam
particularmente em problemas alheios só o fazem na intenção de melhor
aprofundar a problemática própria, para todos os efeitos a preocupação
dominante do autor do livro».
Poderiam os seus leitores
objetar à sua crítica que tal «pressão das culturas estrangeiras», evidente na
maioria dos casos, era travejada, senão originada, por uma diversificada gama
de leituras formativas, essencialmente provinda de doutrinas estéticas de raiz
exatamente estrangeira, sobretudo francesas e britânicas, pela familiaridade
com os grandes introspetivistas da época, os quais haveriam, também, de marcar
a vertente ficcionista de Gaspar Simões.
Elói ou Romance Numa Cabeça
Este aspeto logo é detetável no próprio título do seu primeiro romance, Elói ou Romance Numa Cabeça, e noutros romances (por exemplo: Amigos Sinceros ou O Marido Fiel) e nos contos, hoje pouco citados, de A Unha Quebrada; efetivamente, o sobressalto, chamemos-lhe assim, causado entre o público e sobretudo entre os autores, do extenso período da sua doutrinação crítica (aproximadamente entre 1936 e os anos 70) praticamente apagou essa fase da sua obra. Um outro dos seus romances, Pântano, já se desliga um tanto, ou autonomiza-se, da influência psicanalítica e procura aproximar-se não só dos temas de análise psicológica mas também da crítica social, neste caso de meios estéticos e literários, de certo modo sui-generis e, ao que na altura se entendeu ou sugeriu, não desligados, como é natural, de modelos reais.
Duas obras de grande
fôlego literário, Eça de Queirós, O Homem e o Artista e Fernando
Pessoa, Escorço Interpretativo da Sua Vida e Obra — uma e outra que
suscitaram. como é natural, atenção e discussão critica —, confirmaram as
características do trabalho de Gaspar Simões e a sua fidelidade ao título, já
citado acima. Literatura, Literatura, Literatura, esta palavra, afinal,
a grande motivadora de toda a sua personalidade e obra, o que lhe assegurou,
acima de controvérsias e debates, um lugar inconfundível na história literária
portuguesa deste século. Por exemplo: é unânime a opinião de que o seu livro
sobre Fernando Pessoa, a seu modo pioneiro, foi não só em Portugal, mas também
— ou sobretudo —no Brasil o primeiro e até hoje o principal detonador da
extraordinária audiência «pessoana» nas universidades e na juventude da época.
Gaspar Simões foi tentado
pelo teatro e ficaram-se-lhe também devendo trabalhos de história literária,
como. por exemplo, História da Poesia Portuguesa das Origens até ao Fim do
Século XIX e História da Poesia Portuguesa do Século XX e dois
volumes de crítica a obras de prosa e poesia portuguesa contemporâneos.
Gaspar Simões – autor discutido e
respeitado
Autor discutido e
respeitado, evidentemente polémico, mas de extrema coerência estética na
análise, João Gaspar Simões, embora dispersando-se, se assim se pode dizer, na
diversidade temática das obras analisadas, deixou também a seu crédito, além da
regularidade da sua produção, a nível do jornal e posteriormente do livro, o
exemplo já atrás citado, de autenticidade na formulação dos juízos e da extrema
independência moral e intelectual destes.
Obra publicada de Gaspar Simões
Romance
- Elói ou Romance numa Cabeça, 1932 - com ele obteve o "Prémio da Imprensa" nesse ano.
- Uma História de Província: I parte — Amores Infelizes, 1934; II parte — Vida Conjugal, 1936; 2ª ed. num só vol., 1943; 3ª ed. separada.
- Pântano, 1940; 2ª ed. 1946.
- Amigos Sinceros, 1941; 2ª ed. 1962.
- A Unha Quebrada (novela), 1941.
- Eduarda (novela), 194?.
- O Marido Fiel, 1942.
- Internato, 1946; 2ª ed. revista 1969.
- As Mãos e as Luvas (Retrato em Corpo Inteiro), 1975.
Teatro
- O Vestido de Noiva, 1952.
- Teatro (Jantar de Família, Tem a Palavra o Diabo, Uma Mulher sem Passado), 1953.
- Pedido de Casamento (inédita).
- Marcha Nupcial, 1964.
Biografia e história literária
- Igualmente premiada, com o Prémio "O Primeiro de Janeiro", foi a sua biografia Eça de Queirós, o Homem e o Artista, 1945, reeditada com o título Vida e Obra de Eça de Queirós, 1973 e segs.
- Vida e Obra de Fernando Pessoa — História duma Geração, Vol. I: Infância e adolescência; Vol. II: Maturidade e morte, 1950.
- História da Poesia Portuguesa — Das Origens aos Nossos Dias, (acompanhada de uma antologia), Vol. I, 1955; Vol. II, 1956; Vol. III, 1959.
- História do Movimento da «Presença» (seguida de uma antologia), 1958.
- Eça de Queirós — A Obra e o Homem, 1961.
- Antero de Quental — Vida, Pensamento, Obra, 1962.
- Fernando Pessoa — Escorço interpretativo da sua vida e obra, 1962, reeditado como Fernando Pessoa, Breve Escorço da sua Vida e Obra, 1983 e segs.
- Júlio Dinis — A Obra e o Homem, 1963?.
- Itinerário Histórico da Poesia Portuguesa de 1189 a 1964, 1964.
- 50 Anos de Poesia Portuguesa — do Simbolismo ao Surrealismo, 1967.
- História do Romance Português, Vol. I: 1969; Vol. II: 1972; Vol. III: 1978.
- Camilo Pessanha — A Obra e o Homem, 1967.
- A Geração de 70 — Alguns Tópicos para a sua História, s/d [1971?].
- Retratos de Poetas que Conheci, 1974.
- Perspectiva Histórica da Poesia Portuguesa — Dos Simbolistas aos Novíssimos, 1976.
- José Régio e a História do Movimento da «Presença», 1977.
- Estudos sobre Fernando Pessoa no Brasil (textos de JGS et al.), São Paulo, 1986.
Ensaio e crítica literária
- Temas foi o seu primeiro livro de ensaios, publicado na "Presença" em 1929, e que inclui o primeiro estudo literário dedicado a Fernando Pessoa que era então quase desconhecido.
- O Mistério da Poesia — Ensaios de Interpretação da Génese Poética, 1931.
- Tendências do Romance Contemporâneo, 1933.
- Novos Temas — Ensaios de Literatura e Estética, 1938.
- António Nobre, Precursor da Poesia Moderna (conferência, com uma breve antologia), 1939.
- Crítica iniciada em 1942: Crítica I – A Prosa e o Romance Contemporâneos, 1942; Crítica II – vol. 1: Poetas Contemporâneos 1938 – 1961 [1961]; vol. 2: Poetas Contemporâneos 1946 – 1961 [1962?]; Crítica III – Romancistas Contemporâneos 1942 – 1961, s/d [1969?], obra pela qual recebeu o Prémio "Diário de Notícias" em 1970; Crítica IV – Contistas, Novelistas e Outros Prosadores Contemporâneos 1942 – 1979, 1981; Crítica V – Críticos e Ensaístas Contemporâneos 1942 – 1979, 1983; Crítica VI – O Teatro Contemporâneo 1942 – 1982, 1985.
- Caderno dum Romancista, 1942.
- Ensaio sobre a Criação no Romance, 1944.
- A Arte de Escrever Romances (conferência lida no salão do Teatro de S. Luiz na "Tarde Literária" de 8 de fevereiro de 1947, 1947.
- Liberdade do Espírito, 1948.
- Natureza e Função da Literatura, 1948.
- Garrett — Quatro Aspectos da sua Personalidade (conferências integradas na homenagem do Ateneu Comercial do Porto ao Poeta natural daquela Cidade), 1954.
- Quatro Estudos — Júlio Dinis. Balzac e a Arte do Romance. Somerset Maugham, dramaturgo. Jorge de Lima e a sua 'Cosmogonia' ou 'Invenção de Orfeu', Rio de Janeiro, 1961.
- Interpretações Literárias — Balzac e a Arte do Romance; Leão Tolstoi, Romancista; Jorge de Lima e a 'Cosmogonia' ou 'Invenção de Orfeu'; Sentido Criador em Júlio Dinis, Afonso Duarte, Poeta Antigo e Moderno; James Joyce e a Sua Obra, 1961.
- Literatura, Literatura, Literatura... — De Sá de Miranda ao Concretismo Brasileiro, 1964.
- Almeida Garrett, Vida, Pensamento, Obra, 1964.
- Novos Temas, Velhos Temas — Ensaios de Literatura e Estética Literária, 1967.
- Fernando Pessoa — Heteropisicografia, 1973.
- Fernando Pessoa na Perspectiva da Presença, 1978.
Edição e estudos introdutórios
- Obras Completas de Fernando Pessoa, 4 vols. (com Luís de Montalvor, para a ed. Ática), 1942-1945.
- Perspectiva da Literatura Portuguesa do século XIX (Dir., pref. e notas bibliográficas de JGS), Vol. I, 1947; Vol II, 1948.
- Garrett — Poetas de Ontem e de Hoje (Biografia, exame crítico e antologia por JGS), 1954.
- Eça de Queirós — Trechos escolhidos (Compil. e apres. por JGS), Rio de Janeiro 1957.
- Teatro de Oscar Wilde (Pref. de JGS e trad. de Januário Leite), sd.
- O Crocodilo de Dostoiévski (Pref. de JGS e trad. de Isabel da Nóbrega), 1966.
Tradução (elenco parcial)
- Jean Cocteau, Os Meninos Diabólicos (Les enfants terribles), 1939.
- Dostoiévski, Está Morta!: Novela Fantástica, 1940.
- Charlotte Brontë, A Paixão de Jane Eyre (em colaboração com Mécia), 1941.
- D. H. Lawrence, Filhos e Amantes, 1943.
- Shakespeare, Sonho de Uma Noite de Verão (em colaboração com Charles David Ley).
- Contos Ingleses de Defoe a Huxley.
- Katherine Mansfield, O Garden-Party.
- Henry James, Calafrio.
- Prosper Mérimée, Carmen (em colaboração com Mécia).
- Meredith, O caso do General Ople.
- Georges Bernanos, Diário de um Pároco de Aldeia, 1955.
- William Beckford, Diário de William Beckford em Portugal e Espanha — The Journal in Portugal and Spain 1787-1788, 1957.
- Leão Tolstói, Guerra e Paz (Trad. integral, notas e um est. biográfico e crítico por JGS), 1957.
- Georges Bernanos, A Alegria, 1959.
- Tchekov, David Magarshack, 1960.
- Thomas Mann, O Cão e o Dono, 1962.
- Suetónio, Os Doze Césares, 1963.
- Gogol, O Inspector, 1963.
- Ivan Turgenev, Pais e Filhos, 1963.
- Daniel Defoe, Diário da Peste de Londres, 1964.
- Dostoiévski, Crime e castigo (Prestuplenie i nakavanie), 1964.
- Dostoiévski, Diário de Raskolnikov, 1964.
- Leão Tolstói, A Manhã de um Senhor, 1966.
- Leão Tolstói, Ana Karenina, 1971.
- Leão Tolstói, A Felicidade Conjugal. Sonata a Kreutzer, 1978.
Fontes
- Dicionário de Literatura Portuguesa, Álvaro Manuel Machado, Editorial Presença
- Wikipédia (lista de obras)
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