José Valentim Fialho de Almeida (7/7/1857, Vila de Frades – 4/3/1911, Cuba,
Alentejo)
Filho de um ex-caixeiro oriundo da Beira Baixa tornado mestre-escola
e pequeno proprietário no Baixo Alentejo. Fialho é profundamente marcado, desde
a primeira infância, quer pela sua origem social humilde quer pela paisagem alentejana.
Em 1866 é mandado para Lisboa, para um colégio interno. onde fica durante seis
anos.
Por dificuldades económicas da família, trabalha como
praticante e empregado de boticário numa farmácia do Largo do Mitelo, ao Campo
de Sant' Ana, situação de que nos dá conta em impressionante evocação num texto
autobiográfico: «Em 72 deixei o colégio. porque a nossa situação pecuniária, em
vez de melhorar. tendia a decair, e aí vou eu apodrecer numa botica, sete anos
(…) A botica para mim teve a vantagem de me pôr em contacto absoluto com o
povo, de me mostrar a existência dos bairros pobres, numa cidade onde o
operário envelhece sem a menor ideia de conforto (…) Durante esses sete anos de
emplastros e de pilulas. ninguém pode imaginar os tormentos que eu passei. (…) A
baiúca onde eu praticava era tão velha, infecta, escura e desornada que ainda
hoje me surpreendo da triunfância vital deste arcabouço que pôde resistir sete
anos àquele inferno de ratos, pias rotas, miséria alimentícia e raçuns de
unguentos pré-históricos.» (In À Esquina)
De 1875 a 1878 frequenta o Liceu Francês e a Escola
politécnica, onde faz os preparatórios de Curso Superior. Em 1879 matricula-se
na Escola Médico-Cirúrgica, completando o curso de Medicina aos 38 anos, não
chegando a defender tese e apenas exercendo uns dias na Pampilhosa, em comissão
oficial, e cerca de dois anos (1886-1887) no Alentejo.
Entretanto, cultiva a boémia jornalística e literária lisboeta,
que tão bem descreveu e caricaturou nas suas crónicas, depois de colaborar em
jornais de província (Barcelos, Leiria e Viseu).
Em 1880
Em 1880, na revista literária A Crónica, que fundou e
dirigiu, publica vários textos assinados com o pseudónimo de «Valentim Demónio».
Em 1881 publica o seu primeiro livro de Contos. dedicado a Camilo.
Começa a tornar-se famoso quer como contista quer sobretudo como cronista, pela
sua colaboração em periódicos como Novidades (diário onde começa a publicar um
folhetim intitulado «Os decadentes — Romance da vida contemporânea», projeto de
um romance que nunca chega a acabar), O Repórter, Pontos nos II
(aqui sob o pseudónimo de «Irkan» e de colaboração com Rafael Bordalo
Pinheiro), Correio da Manha. O contemporâneo, Museu Ilustrado,
Os Dois Mundos, A Renascença, Revista Académica Literária,
O Ocidente, Diário de Portugal, A Ilustração (não a de
Mariano Pina, publicada em Paris, mas a de Lisboa, que dirigiu), Ilustração Portuguesa,
etc.
Essa fama atinge o seu ponto culminante com a publicação
mensal, que se inicia em agosto de 1889 e termina em 1994, de uma série de «folhetos»
panfletários de «inquérito à vida portuguesa» (57 números. depois reunidos em
seis volumes) intitulada Os Gatos, textos em geral extremamente acerbos contra
a monarquia decadente. Em 1893 casa por conveniência com uma abastada proprietária
alentejana de Cuba, para onde vai residir, ficando viúvo dez meses depois e
herdando então a fortuna da mulher, vítima de tuberculose.
Os últimos anos de vida de Fialho de Almeida
Nos últimos anos da sua vida. consagra-se à lavoura, viaja muito
pelo estrangeiro, sobretudo por Espanha, e acaba por se opor ao republicanismo
e exaltar João Franco, o que lhe cria ainda mais inimizades e provoca críticas
dos seus próprios amigos.
Morre mais do que nunca desiludido com o País e a sociedade portuguesa,
como se depreende por este passo de Saibam Quantos… datado de novembro
de 1910:
«Dada a ignorância e o desmazelo relaxado, que foi o que a
Monarquia legou às classes médias, dadas as tendências vaziamente exibicionistas,
que foi o que o partido republicano deu às multidões, a República, como forma
de governo, há de reproduzir todos, absolutamente todos os fracassos da Monarquia...
Na essência, o País ficará o mesmo. Que digo eu? Ficará pior.»
O estilo literário de Fialho de Almeida
De certo modo, esta visão pessimista e mesmo fatalista do
País, este sentido da «degenerescência» da «raça» atravessa toda a obra
literária de Fialho de Almeida, tornando-a paradigmática da literatura
finissecular, em geral, para lá de escolas e tendências estéticas.
Por outro lado, uma característica geral dessa obra é também
a da fragmentação, da exploração fácil de uma verbe expressionista que
se dispersa por breves apontamentos de ficção ou textos jornalísticos circunstanciais.
Aliás, Fialho é o primeiro a reconhecer essa limitação num passo do já citado
texto autobiográfico de A Esquina: «os meus próprios amigos repararam no
carácter fragmentário dos meus escritos, e os mais ferozes me acusam de intrometer
fezes humanas nas tintas de uma paleta onde só deveriam desmaiar suavemente as
cores do espectro. O primeiro ponto é bem notado, e eu mesmo me entristeço de até
à hora presente não ter senão uma efémera bagagem de historietas de espuma e
artigos "mais ou menos verrineiros».
No entanto, é precisamente essa fragmentação estética que,
por vezes, dá extrema originalidade à obra de Fialho de Almeida, sempre oscilante
entre a elaboração de uma linguagem literária estruturalmente depurada e a
prática jornalística, quotidiana, panfletária, dispersiva. Situando-se numa
encruzilhada de tendências, entre o realismo-naturalismo à Zola, o naturalismo
esteticista e o decadentismo finissecular de Flaubert e também de Bauclelaire, acrescentando-se
a herança romântica de Camilo, mas também a paradoxal e mesmo irracional
admiração-ódio por Eça, Fialho é um caso à parte, ainda mal estudado, na ficção
portuguesa de transição do final do século XIX.
Crítica ao Naturalismo Francês
Deveremos começar por situá-lo em relação à escola realista-naturalista em Portugal, formada a partir da influência francesa e ativa sobretudo desde a célebre conferência do Casino proferida por Eça em 1871 («A nova literatura ou o realismo como a nova expressão da arte») e do seu O Crime do Padre Amaro (que, note-se, já ia na terceira versão quando Fialho publica o seu primeiro livro de contos). E, fazendo-o, não podemos deixar de notar como o próprio Fialho reage ao naturalismo francês em muitas passagens da sua obra, atacando-o violentamente no que ele tinha de mais esquemático, como, por exemplo, neste passo assaz significativo d'Os Gatos:
«... nunca um movimento literário pôs em celebridade mais insignificantes do que esse naturalismo francês que durante quinze unos espavoriu os porteiro com o charivari dos seus escândalos, não querendo falar senão daquilo que se palpa e daquilo que se vê, fazendo o inventário das mobílias, a descrição dos atos sem psicologia das determinantes, e suprimindo por toda a parte a alma, e ridicularizando o sonho, sem o qual a obra de arte pouco mais é do que uma descorada fotografia».
As palavras «alma» e «sonho» (palavras de que, um pouco mais
tarde, Raul Brandão tanto se valerá, invocando o próprio Fialho) contrapostas a
«inventário» e «descrição» são, de facto, o oposto do naturalismo de escola
herdado de Zola. No entanto. há muito de escolarmente naturalista na primeira coletânea
de textos de ficção de Fialho, Contos, obra publicada em 1881, mas com
textos que remontam a 1871.
Aliás, entre estas duas datas situa-se um percurso sinuoso
que exprime já oscilações constantes entre tendências e influências diversas,
as quais nunca se definirão claramente. Além do que esse percurso sinuoso de
contista é paralelo ao não menos sinuoso do cronista, misturando ficção e
jornalismo.
A oscilação do contista, particularmente no que diz respeito
às influências francesas, pode ser caraterizada pela diferença estrutural entre
o conto «O funâmbulo de mármore», datado de 1877, e o conto «A Ruiva», datado
de 1878. O primeiro é uma alegoria esteticista à maneira de Flauber, resumida no
final por uma divagação com laivos de romantismo sobre a Inspiração (tal e qual,
com maiúscula). esse «sopro abrasado que passa e se extingue» dominando toda
a espécie de criação humana, desde a Idade da Pedra, «na ciência da mesma
forma que na religião e na arte». O segundo conto, «A Ruiva», história da filha
de um coveiro do cemitério do Alto de S. João em Lisboa que acaba na
prostituição, roída pela sífilis, tende, pelo contrário, para um naturalismo
escolar, à Zola, com interferência doutro modelo francês que Fialho admirava
muito: Maupassant. Poderá dizer-se, aliás. que Maupassant é, talvez, a referência
predominante nos contos de Fialho, não só pelo estilo, pleno de imagens
decadentistas, mas também pela recorrência constante aos temas de uma certa mitologia
da infância e da adolescência no campo, oposto à degradação citadina.
Nesse primeiro livro, cite-se, por exemplo, um conto datado
de 1881, «O ninho da águia», em que o tema de uma infância rural mítica
ultrapassa qualquer convencionalismo naturalista, de pretensões científicas, à
maneira de Zola.
Fialho recupera assim, anos 80, um certo romantismo
regionalista da ficção portuguesa, cujo precursor fora Herculano com «O pároco
da aldeia», novela publicada n’O panorama em 1843 e depois retomada em Lendas
e Narrativas (1851), isto sem esquecer a influência do Camilo de Novelas
do Minho (1875-1877).
A Cidade do Vício
A segunda coletânea de contos, A Cidade do Vício (1882), vem,
aliás, confirmar esta tendência, opondo o campo à cidade «maldita», enquanto na
terceira, O País das Uvas (1893), se exalta, desde o introito, «Pelos campos» um
certo regresso aos mitos pagãos, evocando Heine.
A todos estes elementos se acrescenta, nos numerosos textos
jornalísticos ou de caráter memorialístico, o já referenciado sentido obsessivo
da decadência nacional.
Lista de obras publicadas de Fialho de Almeida
- Contos (1881)
- A cidade do Vício (1882)
- Os Gatos (1889-1894)
- Lisboa Galante (1890)
- O País das Uvas (1893)
- Galiza (1905)
- Saibam Quantos... (1912) Cartas e artigos políticos
- Ave Migradora (1914)
- A taça do rei de Tule e outros contos (2001, Póstumo)
Grande parte do texto deste artigo foi adaptado do livro: Dicionário
de Literatura Portuguesa, Álvaro Manuel Machado
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