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Almada Negreiros

 

José de ALMADA NEGREIROS (7/4/1893, São Tomé - 15/6/1970, Lisboa).

Almada Negreiros nasceu na fazenda Saudade, na ilha de São Tomé.

José de Almada Negreiros


Filho do administrador do concelho da cidade, jornalista e futuro colonialista considerado em Paris, onde se instalará, e de mãe mestiça, filha de proprietários locais, que, morrendo, o deixou órfão aos três anos.

Trazido para junto de seus avós maternos. em Lisboa. aqui foi internado no famoso Colégio dos Jesuítas de Campolide, onde estudou até 1910, data do encerramento da instituição pela República então clamada.

Revelando vocação para o desenho, publicou a primeira colaboração em jornais em 1911 Participou com êxito no 1.º Salão do Grupo dos Humoristas Portugueses, em 1912.

No ano seguinte, realizou a sua primeira exposição individual, que foi apreciada por Fernando Pessoa num artigo em A Águia. Dessa referência, nasceu uma estreita amizade entre os dois, o que contribuiu para a orientação do jovem desenhador no caminho da literatura - um tanto simbolista nos Frisos, publicados no n.º 1 de Orpheu, em 1915.

Depois, entre esse ano e 1917, AImada teve uma fervorosa produção poética e polémica: a «novela lisboeta» A Engomadeira, os poemas A Cena do Ódio, Mima Fataxa, Litoral, As Quatro Manhãs, a novela K4, O Quadrado Azul, a narrativa Saltimbancos, que marcam uma posição inédita na criação literária nacional atravessada então pelos fogos do futurismo.

 

Poeta futurista e tudo

«Poeta futurista e tudo» se intitulava Almada Negreiros na sua adesão ao movimento lisboeta, muito do Chiado e d'A Brasileira, de que se tornou a figura mais representativa, a par de Pessoa, algo recolhido, e de Sá Carneiro, ausente em Paris, onde se suicidou em 1916, e ainda de Santa-Rita Pintor, dali regressado em 1914, ao mesmo tempo que Amadeu de Sousa-Cardoso, que, pelo seu talento mais trabalhado, seria, num manifesto de Almada, «a primeira notícia de Portugal no século XX».

Nesse variado grupo que seria definido como o «grupo do Orpheu», logo dois anos depois, em 1917, exprimindo-se no número único de Portugal Futurista, que Santa-Rita dominaria, Almada adquiriu uma maestria verbal que não teve paralelo, na originalidade inesperada das suas imagens e da sua expressão sintáxica.

O Manifesto da exposição de Amadeu em Lisboa, em 1916, tal como o Ultimatum futurista às gerações portuguesas do século XX, lido em abril do ano seguinte na famosa sessão do teatro República, e, antes deles. já em 1915, o jocoso Manifesto anti-Dantas e por extenso, vingando o ataque do ilustre académico à gente do Orpheu e estendendo a irrisão a toda a geração literária então apreciada na sociedade portuguesa, são expressões ímpares (com única correspondência no «Mandado de Despejo» de Pessoa. em 1917) de uma nova mentalidade vanguardista a forçar o caminho para uma história literária que só muito mais tarde ganharia sentido e então era meramente anedótica, num quadro de gostos e de práticas sem mudança desde o naturalismo.

Capa do Manifesto Anti-Dantas

Manifesto Anti-Dantas recitado por Mário Viegas


O estilo literário de Almada Negreiros

Todas as obras deste período que Almada escreveu e publicou (ou não: A Cena do Ódio só seria integralmente editada por Jorge de Sena em 1958) têm uma unidade de intenção e de estilo que definem o escritor e o poeta.

A Engomadeira

Poeta e narrador, Almada teve, a meio dos anos 10, uma posição única que importa sublinhar. A Engomadeira, jocosa análise populista de costumes pequeno-burgueses, bem lisboeta como se anunciava, apresenta, na parte final, uma insólita imaginação parassurrealista, com uma cena obsessiva de chaves num quarto de cama, que deve ser tomada no seu Justo valor de originalidade.

K4

K4 o Quadrado Azul, começando numa amaneirada troça nefelibata, desvaira a narração por caminhos de um imaginário fascinante: é prosa «paulista» e «sensacionalista», que o autor leu a Pessoa e Santa-Rita no fogo da inspiração, e que termina em situações eróticas de sobreposição ou anulação de personalidade, numa vertigem de imagens resolvida sob forma de telegrama de noticiário atropelado em factos da atualidade sugerida, em que é questão do naufrágio do naufrágio do Titanic, do afundamento do Lusitânia, da guerra. A velocidade é assim assumida. na Europa trágica que cola o seu nome à própria assinatura do autor poeta.

Saltimbancos

Saltimbancos é uma cena de copulação animal minuciosamente descrita num encadeado rítmico de movimentos de palavras sem pontuação na sua exigência de ofegante leitura. É dedicada a Santa-Rita, como A Engomadeira o foi a José Pecheko e como K4 a Amadeo, neste círculo restrito de amigos marginalizados na sua minoria nacional.

E como autor dizia, estas obras «deviam ser lidas pelo menos duas vezes prós muito inteligentes e d’aqui pra baixo (era) sempre a dobrar».

Essa a declaração insultuosa de Litoral, poema-viagem, sincopado por associação de imagens ao longo do percurso de comboio do Rossio ao Porto, com dedicatória igualmente a Amadeu, por concordância do seu teor futurista que não deixa de lembrar o célebre poema «transiberiano» de Cendrars.

Mima Fataxa

Mima Fataxa, publicada (como Saltimbancos) no Portugal Futurista, é uma «sinfonia cosmopolita e apologia do triângulo feminino», longo poema com invenções tipográficas, num sensualismo ardente; «Salvé fornicadora do Mistério! Ó erudita das paixões / Cicerone dos labirintos!»

Circo e dança, luxúria e deboche nele se acordam e lutam. com uma referência a Paris, em maiúsculas. cidade única para o autor e seus amigos - que na dedicatória de Saltimbancos dali são declarados naturais...

As Quatro Manhãs

As Quatro Manhãs, que só serão publicadas em 1935 (nas páginas da revista «Sudoeste», do próprio Almada) e então terminadas (como Presença, de 1921, só o será em 1952, in «Bicórnio», último longo poema publicado do autor, algo em despedida), é uma reflexão sobre a vida, de maior e mais calma maturidade, em «tempos» sucessivos que o próprio tempo levou, desde a sua dala inicial de 1915.

A Cena do Ódio

A Cena do Ódio é o mais célebre poema de Almada, e provavelmente o primeiro que escreveu. Devia ter saída no n.º 3 do Orpheu, jamais editado, e leve publicação parcelar, por amputação de partes mais violentas, em 1923, na Contemporânea. Foi escrito durante os três dias de revolução de maio de 1915 contra a ditadura Pimenta de Castro e reflete o alarme desses dias, sem tomada de posição política. É uma explosão do ódio «Futurista» à burguesia nacional, que tinha pior que a outra o ser portuguesa... «Ó reles caixeiros, pederastas do balcão», «pindéricos jornalistas», «nojentos da política», «maquereaux da pátria», «roberto(s) fardado(s) — as personagens do quotidiano lisboeta desfilam, e as cenas descritas com uma acidez precisa, para o magno retrato de uma nação decadente, ignorante da vida, de grande V, que sepulta o poeta — «na Verdade de nunca ser Eu!»

É um poema desafio, que logo começa:

«Ergo-Me Pederasta, apupado de Imbecis».

O cantar de Almada é ali «Inferno a arder», e ele «Génio de Zaratustra em Taças de Maré-Alta» e «Raiva de Medusa e Danação do Sol!» e, na assinatura do poema, «Narciso do Egipto».

A cena do ódio, poema de Almada Negreiros


Trata-se também, ou sobretudo, de um «poema-exorcisme». Nele o poeta ergue-se contra o domínio da Inteligência, para nascer livre de um parto monstruoso da natureza fornicada: «Vê só o que os Olhos vivem, / cheira os cheiros da Terra, / o que a Terra der, / bebe dos rios e dos mares, /põe-te na Natureza!» E clama para que o leitor parta, abandone «a cidade masturbadora, febril», «a infâmia das ruas e dos boulevards»: «Larga tudo e vai para o campo / e larga o campo também, larga tudo! / — Põe-te a nascer outra vez!»

Poema da recriação ainda, A Cena do Ódio anuncia o tema da autoeducação que é recorrente no autor, e em breve emergirá. Nesta violência torrencial viu Sá-Carneiro «uma coisa soberba» e Pessoa (a quem o poema é dedicado, em evocação de Álvaro de Campos, que lhe está mais próximo) dá o autor por «homem de génio absoluto... Juntamente com A Ode Marítima, A Cena do Ódio inscreve-se, sem dúvida, como um dos grandes poemas do primeiro modernismo português.

 

Almada Negreiros em Paris

Desgostoso com histórias da pátria, em 1919 Almada partiu finalmente para Paris, mas por um ano só, por não se adaptar, na solidão dos seus sonhos sem diálogo. De lá trouxe uma Histoire du Portugal par coer, de fervor nacionalista, uma peça em um ato, sua estreia no género. Trouxe também Antes de Começar, com sentenciosa, mas grácil ingenuidade. Mas sobretudo, escreveu em Paris A Invenção do Dia Claro, uma conferência que lerá em 1921 e que Pessoa editará então. São memórias da sua experiência parisiense. e queixas, e evocações da mãe que quase não conhecera, ele Menino de Olhos de Gigante (título de um poema de 1921), que faz a aprendizagem da vida, convencido de que outra maneira de a saber há-de haver, que não seja através da ciência dos livros.

 

Trabalho de Almada Negreiros

  • 1915 | Frisos, Orpheu vol. 1, pp. 51–59 (prosas) | A Cena do Ódio (poesia) | A Engomadeira (novela) | O Sonho da Rosa (bailado, realização) | Manifesto Anti-Dantas e Por Extenso
  • 1916 | Manifesto em apoio a 1.ª exposição de Amadeo de Souza Cardoso - Liga Naval de Lisboa | Litoral (poesia) | Mima Fataxa Sinfonia Cosmopolita (novela) | Saltimbancos (novela).
  • 1917 | Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX (conferência, publicada na revista Portugal Futurista) | K4, O Quadrado Azul (novela)
  • 1918 | O Jardim da Pierrette (bailado)
  • 1919 | Histoire du Portugal par Coeur (poema em prosa).
  • 1921 | O Menino do Olhos de Gigante (poesia) | A Invenção do Dia Claro
  • 1924 | Pierrot e Arlequim (teatro).
  • 1925 | Nome de Guerra (romance); editado em 1938 | Autorretrato num grupo (pintura).
  • 1926 | A Questão dos Painéis; a história de um acaso de uma importante descoberta e do seu autor (ensaio)
  • 1929 | Decorações murais, Cine San Carlos, Madrid | Deseja-se Mulher / SOS (teatro), 1928-29.
  • 1932 | Direção Única (conferência).
  • 1933 | Arte e Artistas (conferência).
  • 1935 | Maternidade (pintura).
  • 1936 | Duplo Retrato (pintura), 1934-36.
  • 1938 | Vitrais para a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, Lisboa, 1934-38.
  • 1940 | Vitrais, Pavilhão da Colonização, Exposição do Mundo Português, Lisboa.
  • 1942 | Homenagem a Luca Signorelli (pintura).
  • 1947 | Pinturas murais na Gare Marítima de Alcântara, 1945-47.
  • 1948 | Pinturas murais na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, 1946-48.
  • 1950 | Theleon e a Arte Abstrata (palestra) | A chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves (ensaio).
  • 1954 | Retrato de Fernando Pessoa (pintura).
  • 1961 | Decoração das fachadas de edifícios na Cidade Universitária de Lisboa: Faculdade de Direito; Faculdade de Letras; Reitoria, 1957-61.
  • 1969 | Começar, desenho inciso na parede do átrio de entrada da sede da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1968-69.

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